quinta-feira, 26 de maio de 2011

A Árvore de Outra Serra

A Árvore de Outra Serra



Sem publicar nada já há algum tempo, eu estive angustiado, perambulando nos corredores da universidade procurando qualquer fato que me trouxesse um filete de  inspiração, acalorando o ânimo de escrever que o assolamento de trabalho e de estudo vem tirando nesses últimos meses.

Entre bons convites a uma mesa de bar, e os bastidores da vida alheia, não encontrei matéria com graça pra sentar em frente ao computador e catar uma ou outra frase.

Foi aí que numa quarta feira de manhã, na Prática Jurídica, me aparece uma senhora que sem ser anunciada entra na salinha onde eu estava irrompendo o lastro do silêncio que havia por ali, com uns passinhos curtos, rápidos, ela se aproxima e fica parada em frente ao birô.

– Pois não, sente-se, em que posso servi-la?! – ainda não havia percebido que estava diante de uma das mais incríveis expressões que eu já vi.

Após arrastar a cadeira timidamente e sentar-se, eu percebi na sua pele as marcas do Sol, e o seu olhar cheio de poeira e lágrima, indecisa ela escolhe algumas palavras, balbucia as primeiras, baixinho, praticamente pra ela mesma:
– O meu fiu, esse é o pobrema...
 Ouvi-la é parte do protocolo.
 Seu jeito de levantar os olhos, parecendo procurar em mim qualquer rejeição, denunciava que tudo aquilo que narrava era um agudo segredo, e que minha reação seria o indicativo para que se sentisse segura, percebendo isso fui cauteloso.

- Desd’os treze, que minha vida é uma eterna luta: eu contra os amô da vida do meu fiu! Amor pelo fûmo, amor de cherada, amor de vício, sabe?! Uma luta! Luta pra num matere ele, pre’le num acabar se matando – num suspiro ela inflou o pulmão, continuou contendo o choro – até o dia que ele foi preso... – fez uma pequena pausa – mas eu num achei ruim não! – exclamou – Só que aí sortaro ele! Ele fico só albergado – uma lagrima saiu do seu olho e deixou um rastro por entre as marcas de Sol – sorto na rua, ele sumiu no mundo, to sem nutiça do meu fiu...

Por coincidência naquela manhã girava compulsivamente em minha mente os versos da Árvore da Serra, de Augusto dos Anjos:

– “Esta árvore me serve de empecilho... / É preciso cortá-la, pois, / Para que eu tenha uma velhice calma!”

Ora! O autor costumas de amargas lembranças está ausente, q’outra solução melhor pode existir para sentir-se calma? – pensei com a voz da razão – todo dia afastamos jovens violentos de seus lares, o melhor seria manter as coisas como estavam, pensei... No todo “penso” que é torto, vi, pasmo, a senhorinha pedir o filho de volta!

– “Esta árvore, possui minh'alma! .../ — Disse — e ajoelhou-se, numa rogativa: / Não mate a árvore, para que eu viva!”

Era o mesmo grito do poeta, o que saia de sua boca! Em abafado sussurro, numa linguagem tão pobre e tão rica! Uma história tão diferente revive os versos de Augusto.

- Não! Ele não é ruim! Nunca fez sangue em ninguém – dizia ela – num tem nenhuma morte nas costa... fora eu, que morro todo dia por num sabe de nada dele! Antes aqui preso, do que longe e morto, Meu Deus...


– “Caia a golpes do machado bronco / O moço triste se abraçou com o tronco / E nunca mais se levantou da terra!”



Antes de assisti-la sair, entreguei em suas mãos vazias meu comovido cumprimento, e o que mais poderia fazer? Ah!  Uma promessa de providência incerta também – então a senhora partiu com seus passinhos curtos em direção a porta da saída. A incúria da sorte fez com que o amor saudasse o desespero numa salinha qualquer numa manhã quarta-feira.

Em mim ficou marcado, por mais estranho que possa parecer, não a sensação de desamparo, mas o queimar de uma esperança insistente, esperança que mantinha a senhorinha viva, de uma forma mais eficaz que a própria presença do filho faria, certamente. Esperança – foi a ultima coisa que vi ao fitar aqueles olhos empoeirados, quem sabe, ela não dure, e mantenha firme e de pé, esta
árvore d’outra serra.

2 comentários:

  1. Fico feliz em vê-lo brilhar nas letras literárias assim como já é uma estrela de primeira grandeza nas letras jurídicas, meus sinceros e comovidos elogios.

    FRANCIVALDO

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