sexta-feira, 2 de setembro de 2011

A ORQUESTRA


A ORQUESTRA

Eu destinei esse blog a escrever sobre problemas sociais, subsidio é o que não tem faltado, o influxo histórico dando uma nova cara a corrupção, a brincadeira de se esconder no labirinto da lei, a dificuldade no acesso a justiça etc. Mesmo assim, sobrando conteúdo, as coisas andaram meio paradas por aqui. Na verdade, eu destinei esse blog a ser uma alternativa, nunca planejei, mesmo me propondo a falar dessas franjas do que é real, em informar ou denunciar nada. Aqui a sensação ainda é orientadora da palavra, mesmo todos os dias me adestrando a ser objetivo (ossos do ofício), nesse espaço, se respira qualquer coisa de poesia. Mas a correria sufocante me afastou desse propósito. Eu me conformei.

Sem enxergar as coisas com a mesma translucidez de antes, para retomar a escrita só mesmo encontrando algo além do real, algo mágico. Foi mais ou menos o que aconteceu.

Em uma noite de quinta, Juliana, minha mãe e eu fomos ver o ensaio da orquestra que acontecia na casa de minha vó, em que ela é violinista. Enquanto subíamos a escada de pedra da entrada já dava pra ouvir, vindo da sala de estar, Con Te Partiro sendo executada só pelos violinos. Batemos na porta, a música parou e vovó se levantou pra nos receber. Beijo, abraço e uma molecagem dirigida a cada um, como de costume, e ela voltou pra poltrona, pro violino e pra partitura. Na sala os músicos estavam distribuídos nos sofás e cadeiras improvisadas ao redor do centro. Cumprimentamos a todos, flautista, violoncelista, e os violinistas, e nos acomodamos ao redor pra ouvir o resto do ensaio. Uma noite de sereno, um frio delicioso no sertão. As portas laterais da sala que davam pra o terraço, com suas vidraças enormes pareciam trazer o jardim pra dentro de casa. A luz do poste prateava as folhas dos arvoredos úmidos de sereno. Um, dois, três – o maestro desenhou umas formas no ar com os dedos, a música completou o cenário...

Pegamos, talvez, a melhor parte do ensaio, quando já está quase tudo em sintonia. Enquanto a musica continuava uma paz invasiva crescia, trabalhos por concluir, pendências pessoais, nada... de repente todo o dia se resumia aquilo que estava vendo e ouvindo.

Os músicos se provocavam como velhos amigos. A sinestesia ia muito além do ritmo e do compasso. O maestro é um homem jovem, que ostenta um bigode e um bom humor dignos de registro, o flautista batia o pé no chão e mexia o tronco coreografando as notas que ele mesmo fazia enquanto soprava – ele o maestro e minha vó, eram os mais experientes – os outros violinistas, e o violoncelista eram todos meninos ainda, mas, no conjunto todo mundo tem a mesma idade! Todos eram moleques, e riam, trocavam apelidos, iam e voltavam corrigindo os deslizes completamente imperceptíveis para os meus ouvidos, lá os sentidos só captavam a prosa e poesia suspensa no ar daquela sala. Deus estava por ali, e bem feliz.

Tive uma vontade absurda de dizer, “ora, ensaiem num palco!”, a apresentação que me perdoe, mas o ensaio é muito mais saboroso.

Em dias em que não consigo ver graça em nada da vida, mesmo com uma agenda incrível no celular, ou uma rua cheia de gente pra conhecer, é pra orquestra que volto. Guardo como uma ilha na memória, que posso ir até lá quando quiser curtir o sereno e o frio. Ser arquiteto do meu próprio bom humor, pra transmitir também pra quem ta do meu lado. Isso é o que venho considerando o sentido da vida, pelo menos por hora...

sexta-feira, 15 de julho de 2011

Manchetes e Ditados

Manchetes e Ditados



Parlamentares não matriculam seus filhos na rede pública de ensino
Fernandinho Beira Mar não permite que seu filho use drogas
Em casa de papudos, não se fala em papos!
Passarinho que come pedra sabe o cú que tem...
Gato escaldado tem medo de água fria
Greve dos professores continua!
Em festa de macaco inhambu não pia!
Ler e não entender é negligenciar...
Desemprego e vagas ociosas no mercado ao mesmo tempo? Pode isso?
Na cama que farás, nela te deitarás
ACM Neto taxa o Senador Cristovam Buarque (PDT-DF) de demagogo.
O Projeto de Lei 480/2007 dá o que falar!
Longe da vista, longe do coração
Operações financeiras com indícios de lavagem de dinheiro quase dobraram em 2008
Julga o ladrão que todos o são!
Investigações mostram as ligações dos governadores do Tocantins, do Amapá e de Mato Grosso do Sul com quadrilhas acusadas de desviar fortunas dos cofres públicos. Ainda assim, os três mantém suas candidaturas à reeleição.
Mais depressa se apanha um coxo que um mentiroso...
Entradas de leão, a saídas de cordeiro
Fez do lobo o guardião de ovelhas.
Brasil estuda a possibilidade de aplicar práticas da medicina chinesa no SUS
Com papas e bolos se enganam os tolos!
Mal por mal, antes na cadeia do que no hospital...

segunda-feira, 11 de julho de 2011

Reciclando idéias!

Reciclando idéias!

Como era bom quando uma festinha aqui, uma sopinha ali, e você já era um herói! Mas o povo não tem mais gratidão! Isso definitivamente não funciona mais! Precisamos melhorar esta proposta senhores! – disse desanimado um dos caras – Então o que fazer?!
Intrigados eles ficaram...

- Que tal só dar dinheiro ao povo? – pensou um cara.
- Você deve tá louco? Como assim? – retrucaram os outros caras ao cara que tinha pensado nisso... – claro! Pensem bem: de onde esse dinheiro vem? – indagou o cara pensador!
- Do povo – responderam os outros caras.
- Então, agente vai dar o dinheiro pra eles, eles vão comprar, pagar impostos, e mais impostos, colocar dinheiro nos bancos, vai acabar voltando entende? E ainda não tem perigo de acabar!
- Ah! – os outros caras começaram a sacar a idéia!

- Mas se o povo souber o que fazer com o dinheiro? – Gritou o outro cara lá do outro lado da sala...
Todo mundo riu! Mas que burro que ele é...

Comentário de Mesa de bar!

Comentário de Mesa de bar!


Enquanto os jornais da região dedicam páginas discutindo se o prefeito quando acabou com cinco secretarias, acertou ou errou, o barzinho com seu incrível poder simplista e sincretista, resolve a parada, entre dois goles de uma geladinha!

  • A mudança de prefeito foi até boa né?
  • É, menos pros secretários!

terça-feira, 5 de julho de 2011

Especial da Mentira

Especial da Mentira


Ter mais de uma camisa, ligar uma televisão pra passar o domingo, ou, numa certa cultura, sair nas quintas-feiras à noite pra o forró universitário! Essencial! Absolutamente vital!
– Mentir! – Todo mundo faz! Nas etiquetas aqui, nas redes sociais ali, um perfil, nas fotos... o que? To mentindo?!

Primeiro uma justa ressalva – política e televisão – locais onde a mentira é sempre sutil...
Tradicionalmente perseguida e praguejada... De hoje por diante, olhe! Nunca mais vou mentir... cada dia mais presente na vida do homem.
Em Jornais, escritas nos muros, pelas passarelas, difundida e repetida, repetida, repetida: e num é verdade não?! Claro que sim, virou verdade! – estão nas biografias, daí pra o teatro, para o cinema e pra convicção geral... não necessariamente nessa ordem – do teatro pra biografia, pra convicção geral, pro cinema...
Atenção! É importante diferenciar mentira de ficção, jamais cometeria o ultraje de taxar de mentirosos os ficcionários, de forma alguma! – distorcer descaradamente a realidade de forma a deixá-la mais interessante pra os outros, é ficção – distorcer descaradamente a realidade para deixá-la mais interessante pra você mesmo, é mentira. 

Mentir é uma parte essencial do ser humano em sua consciência perfeita, pois já diz a sabedoria popular, que uma sinceridade absoluta seria fatal!
O fato é que por aqui a tradição é exagerar, exagerar muito no uso do legado da escola da Carochinha!
Mas vivemos felizes mesmo assim, é de se registrar.

Contudo, nossa tradição vem sofrendo uma mudança sensível, os últimos acontecimentos tem revelado uma perda de respeito do brasileiro pela mentira! Como diria Arnaldo Jabor, “não é que não respeitem mais a verdade, o caso é mais grave, estão desmoralizando a mentira!”.
É certo que a mentirinha enraizada, cotidiana, não mudou muito, ainda tem os mesmos princípios, mas aquela de alto escalão tem mudado assustadoramente para pior!


Saudosa memória daquela mentira feita com respeito ao próximo, com profissionalismo, com dignidade! Caprichava-se nos álibis, nas patranhas, mas agora? Parece que a técnica mudou: coloca-se a safadeza tão, mas tão na cara, que a perplexidade que surge de repente inibe qualquer reação por parte da comunidade.

- Este fato, da tal lista que não apareceu, declarações tão desconexas, é preciso ser investigado até o final, Senhor Presidente! Melhor, me desculpe, mas eu exijo que assim seja!
(depoimento de José Roberto Arruda, na CPI do escândalo dos painéis, falando sobre uma possível lista com a quebra do sigilo da votação do Senado)
Alguns dias depois...
–Realmente eu recebi o envelope pardo com a lista dentro! E eu abri, e lá estavam os nomes dos senadores com os votos ao lado...
(O mesmo José Roberto Arruda, confessando, depois de desmascarado pelo processo na Comissão de Inquérito)


-Coloquei o dinheiro na minha meia, por motivo de segurança, porque não uso pasta!
(Leonardo Prudente, DEM, falando sobre o dinheiro que recebeu do secretário exonerado do Distrito Federal Durval Barbosa, que era uma “ajuda financeira para sua campanha”).

Mas eu to aqui pra falar a verdade! Em nome da preservação da cultura nacional eu exijo de volta, a boa, tradicional e velha mentira no Brasil! Aquela com sentimento, às vezes até com lágrimas, com elegância, aquela das antigas malas pretas de dinheiro... agora qualquer cueca ou meia ta resolvendo a parada! Ah! Depois disso é que se pode dizer que o fruto da corrupção é sujo! Tá sujo mesmo!

Essa história de habeas corpus preventivo tirou a graça dos depoimentos nas CPI’s, cadê de tremedeira? Os colarinhos suando como pano de cuscuz? Resta só aquele silêncio... pelo menos a gagueira agente num precisa mais agüentar, aquilo era chato.


Não vou me alongar muito porque, você sabe né, falando demais acaba se enrolando, mas é fácil desenrolar, a brincadeira de se esconder no labirinto da lei sempre continua, e tem sempre um pra salvar todos, afinal tudo que se disser em contrário, é só intriga da oposição!

sexta-feira, 17 de junho de 2011

Minha crônica

Minha crônica


Vou usar a frase de T. S. Eliot para epigrafar esse texto — “libertação: esta é a utilidade da memória, recuperar o que foi perdido, na tentativa de anular o tempo”, anular a rotina.
É engraçado que quando me pego falando, ou melhor, escrevendo sobre o que é rotineiro, o ir e vir da universidade, uma conversa de bebedouro, tudo ganha um tom peculiar de drama e – ora! – O que é mais divertido nessa vida que um drama, uma novela, um moído?!  





Na crônica está a dimensão do enraizado, do prosaico, do cotidiano... ao mesmo tempo que tem abertura à poesia, ao desejo, a falta de limites.

Um tanto de Fernando Sabino, Rubem Braga, Bráulio Tavares, Paulo Mendes Campos, o mais singelo apelo literário, ou como quis Cláudio Willer, “o mais literário dos modos jornalísticos, ou o mais jornalístico dos gêneros literários”, uma opção bem pretensiosa, uma brincadeira, um instante de liberdade.

Quando criança eu costumava demorar a dormir, daí eu me deitava e minha mãe, sentada na antiga cama de madeira, contava uma dezena de histórias, sempre as mesmas, com alguma lição no final. Uma delas, a minha preferida, falava de um monge que descia um monte muito alto, onde ele vivia pra meditar – ao passar na vila, em frente a casa de um criador de galinhas ele encontra uma...
Antes de contar a história toda, vou falar da fabulosa origem dela, de onde minha mãe a ouviu, foi o seguinte:
- Um professor e político ganês, chamado James Aggrey, durante uma assembléia onde se discutia a independência de Gana frente ao Império Britânico, resolveu contar uma história, ou melhor, uma parábola, com o objetivo de conquistar a parte dos ganeses que, seduzidos pela retórica inglesa, não aceitavam a independência, acreditando que iriam de industrializar o país com os fartos recursos da metrópole.
O político era tido como sábio, e um grande palestrante, ao subir levando algumas folhas de papel à tribuna, começou...

No pé de uma alta montanha existia uma vila de gente muito simples.
Um criador de galinhas, um belo dia, encontrou um filhote de águia caído ao pé do monte. Cheio de compaixão ele acolhe a ave e a leva consigo, alimenta e coloca-a junto com as galinhas.


Daí o tempo passa e a águia cresce. Ganha asas com uma envergadura de mais de três metros! O que a tornava infinitamente diferente das galinhas. Já seu comportamento era idêntico ao delas, ciscava o chão, catava insetos, comia milho, ocupava lugar no poleiro, essas coisas, havia apreendido tudo.

Um monge ermitão que descia do monte, ao passar pela casa do dono do galinheiro, ao se deparau com cena – a ave mais temida dos céus, assustou-se com a sua aproximação, e correu em frenesi junto com o restante das galinhas! – Resolve então interpelar o dono da casa:
– como fora uma águia acabar ali? – O criador de galinhas conta-lhe a peripécia.

O monge pede pra levá-la e tentar fazê-la voar, afinal ela é uma águia! Mas o homem, incrédulo, disse que isso não era mais possível – não depois de ser criada como galinha – o monge insiste e acaba convencendo o homem e levando-a.

Sobe num ponto alto do monte e a lança no ar, ela bate as asas, desajeitada, e volta pra o chão, o monge vai pra mais alto e repete o feito, e de novo, sempre de mais alto...
Assim foi todo o dia.
E outro, e mais outro...
O criador das galinhas sempre ao ver o monge voltar, sujo e exausto, sorria, e pensava: - como ele gosta de perder tempo!
O fato era que, a águia parecia ter virado mesmo uma galinha.


Estafado, já no ponto mais alto do monte, com sua túnica suja de barro vermelho, o corpo pesado de carregar a ave imponente monte acima, o monge senta-se numa pedra, durante o por do sol, de céu limpo, abaixa a cabeça, era o ultimo dos seus incontáveis dias de esforço...
A águia tímida e imóvel ainda repousava em seu braço.
De repente, o monge sente um arrepio subir pela espinha, a águia lhe aperta com força, ergue a cabeça – austera – permanece por alguns instantes olhando fixamente em direção do vermelho do Sol, o Sol fica refletido nos seus olhos, abre então as asas de três metros de envergadura!
O monge, então, põe-se de pé. Estende o braço a ave dá um forte grito e alça voou. Bate as asas e faz o monge se encolher, se mantém no ar e coordena os primeiros movimentos, dá ainda uma ultima olhada para traz, e num impulso majestoso ela vai em direção ao Sol.
Plana suave. Depois se perde no brilho incandescente do fim da tarde.

Essa história devia me fazer dormir, mas, na verdade, me agitava ao ponto de precisar de mais umas outras tantas, até me acalmar.
Vim descobrir sua origem muito tempo depois, quando encontrei na estante um livro do filósofo Leonardo Boff, A Águia e a Galinha, onde ele conta a história do parlamentar africano.


- As vezes podem nos impelir a sermos menor do que de fato somos, a viver de grãos que nos jogam para ciscar – disse o ganes Aggrey – mas na verdade podemos alçar majestoso vôo! É só procurarmos o por do Sol e olharmos fixamente pra ele, encontrando inspiração para sermos como uma águia!
Assim foi o final do discurso, depois disso, a Gana era uma nação independente, cumpriu com o sentido de sua história...

Encontrar sentidos nas histórias, assim essa que minha mãe contou, e nas estórias também, mesmo sem contar com  o elemento do extraordinário, isso move minha crônica, a memória exercendo sua função, acompanhada de uma inevitável revisão das razões, dos porquês, dos pra quês, que o próprio ato de lembrar impele...
                    Meus amigos, uma mesa de bar – o simples, usual, saudosista – escrevendo eu me sinto livre, me sinto muito melhor.

domingo, 12 de junho de 2011

Despedida de Nadjanara

Despedida de Nadjanara



No coração de quem, de perto ou de longe, viu o majestoso exemplo de Nadjanara Linhares Casimiro, repousa um incomodo silêncio. Esta data marca a despedida de um ícone, e o nascimento do precedente de um mundo de oportunidades parecidas.





             O grande afã de luta hoje descansa, pelos corredores, salas e rampas vagueia o vazio que inevitavelmente o mundo experimenta quando se despede de um ícone. Longe de ser vazio de morte, não! Pois que vida existirá sempre nesse novo mundo que se adaptou, curvou-se em respeito à bravura da guerreira que desafiou pré-conceitos, pré-juízos, pré-disposições, novo mundo que hoje, pré-maturamente, acena pesaroso para o fechar da sua majestosa trajetória, que não marca morte, mas nascimento de um magnífico exemplo.


Incômodo silêncio a despedida impele.
Íntimos, próximos, conviventes, ou mero espectadores, vestiram-se na aura de admiração, e às vezes até de espanto, ante a pessoa que discreta e singelamente encarou um mundo estranho a sua presença, estruturou-o, escancarou as portas fechadas, sua passagem é precedente para as centenas de outras que virão, que a terão como um grande “Muito obrigado!”.


Nadjanara, brava guerreira és tu filha da luz.

quinta-feira, 26 de maio de 2011

A Árvore de Outra Serra

A Árvore de Outra Serra



Sem publicar nada já há algum tempo, eu estive angustiado, perambulando nos corredores da universidade procurando qualquer fato que me trouxesse um filete de  inspiração, acalorando o ânimo de escrever que o assolamento de trabalho e de estudo vem tirando nesses últimos meses.

Entre bons convites a uma mesa de bar, e os bastidores da vida alheia, não encontrei matéria com graça pra sentar em frente ao computador e catar uma ou outra frase.

Foi aí que numa quarta feira de manhã, na Prática Jurídica, me aparece uma senhora que sem ser anunciada entra na salinha onde eu estava irrompendo o lastro do silêncio que havia por ali, com uns passinhos curtos, rápidos, ela se aproxima e fica parada em frente ao birô.

– Pois não, sente-se, em que posso servi-la?! – ainda não havia percebido que estava diante de uma das mais incríveis expressões que eu já vi.

Após arrastar a cadeira timidamente e sentar-se, eu percebi na sua pele as marcas do Sol, e o seu olhar cheio de poeira e lágrima, indecisa ela escolhe algumas palavras, balbucia as primeiras, baixinho, praticamente pra ela mesma:
– O meu fiu, esse é o pobrema...
 Ouvi-la é parte do protocolo.
 Seu jeito de levantar os olhos, parecendo procurar em mim qualquer rejeição, denunciava que tudo aquilo que narrava era um agudo segredo, e que minha reação seria o indicativo para que se sentisse segura, percebendo isso fui cauteloso.

- Desd’os treze, que minha vida é uma eterna luta: eu contra os amô da vida do meu fiu! Amor pelo fûmo, amor de cherada, amor de vício, sabe?! Uma luta! Luta pra num matere ele, pre’le num acabar se matando – num suspiro ela inflou o pulmão, continuou contendo o choro – até o dia que ele foi preso... – fez uma pequena pausa – mas eu num achei ruim não! – exclamou – Só que aí sortaro ele! Ele fico só albergado – uma lagrima saiu do seu olho e deixou um rastro por entre as marcas de Sol – sorto na rua, ele sumiu no mundo, to sem nutiça do meu fiu...

Por coincidência naquela manhã girava compulsivamente em minha mente os versos da Árvore da Serra, de Augusto dos Anjos:

– “Esta árvore me serve de empecilho... / É preciso cortá-la, pois, / Para que eu tenha uma velhice calma!”

Ora! O autor costumas de amargas lembranças está ausente, q’outra solução melhor pode existir para sentir-se calma? – pensei com a voz da razão – todo dia afastamos jovens violentos de seus lares, o melhor seria manter as coisas como estavam, pensei... No todo “penso” que é torto, vi, pasmo, a senhorinha pedir o filho de volta!

– “Esta árvore, possui minh'alma! .../ — Disse — e ajoelhou-se, numa rogativa: / Não mate a árvore, para que eu viva!”

Era o mesmo grito do poeta, o que saia de sua boca! Em abafado sussurro, numa linguagem tão pobre e tão rica! Uma história tão diferente revive os versos de Augusto.

- Não! Ele não é ruim! Nunca fez sangue em ninguém – dizia ela – num tem nenhuma morte nas costa... fora eu, que morro todo dia por num sabe de nada dele! Antes aqui preso, do que longe e morto, Meu Deus...


– “Caia a golpes do machado bronco / O moço triste se abraçou com o tronco / E nunca mais se levantou da terra!”



Antes de assisti-la sair, entreguei em suas mãos vazias meu comovido cumprimento, e o que mais poderia fazer? Ah!  Uma promessa de providência incerta também – então a senhora partiu com seus passinhos curtos em direção a porta da saída. A incúria da sorte fez com que o amor saudasse o desespero numa salinha qualquer numa manhã quarta-feira.

Em mim ficou marcado, por mais estranho que possa parecer, não a sensação de desamparo, mas o queimar de uma esperança insistente, esperança que mantinha a senhorinha viva, de uma forma mais eficaz que a própria presença do filho faria, certamente. Esperança – foi a ultima coisa que vi ao fitar aqueles olhos empoeirados, quem sabe, ela não dure, e mantenha firme e de pé, esta
árvore d’outra serra.

sexta-feira, 20 de maio de 2011

Pregadores de Plaquinhas



Pregadores de Plaquinhas




Por esse corredores estão os pregadores de plaquinhas.


Cumprindo sua função, tão essencial ao equilíbrio natural do mundo: dar movimento a todas as coisas, transformando as pessoas em seres, mas não em seres parados – como uma pedra, ou uma planta, por exemplo – sim em personagens dessa loucura toda!

Pregar plaquinhas nada mais é que falar, falar dos outros, da vida alheia, pelos cotovelos, pela boca, adjetivar, qualificar, desqualificar (às vezes), quão triste deve ser o fato de não ter nenhuma plaquinha pra exibir por aí!
Você pode não gostar das plaquinhas que recebe, mas uma coisa é verdade: você não precisa usar as que não quiser! Podendo ignorar, recusar, ser sarcástico, desdenhar, mudar (quem sabe), jogar fora, enfim, bobagem mesmo, é não participar.

As plaquinhas geram sensações.
Algumas serão muito bem vindas, tornando tudo mais leve, fazendo se sentir como que vendo um por do Sol sobre a estrada, ou numa noite fria debaixo de um cobertor quentinho, estando muito bem acompanhado, outras serão como aquela vez, em que você ajeitou a bola no peito e de voleio meteu ela no ângulo, da euforia a glória, da paz ao silêncio.

Seja receptivo com as boas plaquinhas que lhe pregarem, sempre as veja do melhor ângulo, seja cuidadoso com as que pregar em si mesmo, as vezes criamos expectativas demais acreditando que todos têm que concordar com nossos próprios anseios, mas quando realmente desejar que o mundo lhe veja, seja persistente, levante a plaquinha o mais alto que puder, use seu talento.

Cuidado com as plaquinhas que dizem “preocupação”, na maior parte das vezes elas não levam a nada, guarde as plaquinhas que sugerem mudanças, mudar é bom, é muito bom.

Uma boa parte das plaquinhas vai da boca pra fora, as melhores, no entanto, são aquelas que vão
                         de coração adentro.


Jonas Bráulio de Carvalho Rolim

terça-feira, 10 de maio de 2011

Rima social


Um amigo me deu uma sugestão de escrever algo que fale sobre atualidade - daí escolhi um texto de 2008 pra publicar,
            é um dos mais atuais que tenho.


Estranho?
Não sei - me diga você.
  

Rima social

Igual
É bem e mal
Açúcar e sal
Mel e cacau
Fim e Final.

Diferente
É gente e gente
Mente e mente
Agora e d’repente,
Nem quem é gente,
É igual a si dependendo do local!

Sente, mente, invente,
Fulano só é de tal
Se de tal for equivalente,
À sua nova altura social,
De quand’ele ficar diferente
Daquilo que já foi igual.



(2008)



quinta-feira, 5 de maio de 2011

O Exemplo do meu velho...

Antes de ontem foi o aniversário do meu pai, nem pude publicar este texto no dia, mas mesmo atrasado, fica aqui minha singela homenagem.


O Exemplo do meu velho...

Enquanto a tarde levantava seu véu, e a escalada do sol chegava do outro lado do mundo bem devagar, eu me aproximei do portão de casa a passos largos, levando no corpo a roupa de um dia todo, na cabeça o desejo fixo de somente um copo de água e um banho – nessa hora encontrei meu pai, sentado no terraço soltando capuchos de fumaça pelo ar, e jogando as cinzas do cigarro no cinzeiro do centro.

 Ao me ver ele revelou uma feição alegre, um olhar de quem tinha algo pra dizer, o mesmo olhar que me traz, sempre, a ilusória idéia que as coisas podem ser mais simples, tão ao alcance do braço, aquele olhar que faz tudo parecer menor, tudo diminuir exatamente ao tamanho real: os problemas que existem, e aqueles que eu invento! É essa a sua lição vespertina pra mim: um manifesto desprezo por qualquer coisa que atrapalhe o despojo de uma cadeira no terraço no final da sina do dia, uma lição de apresso.

Ora! No exemplo do seu silêncio, ele me mostra que não há separação, muito menos antagonismo, entre exemplo e silêncio, ao me sentar do seu lado e esperar que me diga alguma coisa, na verdade não espero que fale, mas que acolha minha presença e que me deixe copiá-lo, desejando que um dia minhas palavras se aproximem da sofisticação desse seu silêncio, é o que eu vou tentar meu velho, é que eu vou tentar...

quinta-feira, 28 de abril de 2011

Algo que aconteceu na Semana Santa

Algo que aconteceu na Semana Santa


E de repente, um menino vem e pede um trocado ao honrado cidadão num trailer de lanche.
Aí o honrado cidadão diz ao menino uma meia dúzia de desaforos antes de lhe dar alguns centavos que nem lembrava mais que tinha, achou por coincidência no bolso do short.
O menino escuta tudo, numa tranqüilidade de invejar, aperta a moeda na mão e sai:
- Que seja pra comer ou pra uma bala, pra um cigarro, seja pra um ingresso de parque, que seja pra gozar! Seja só pra mim, pra o que eu quiser! Porque eu não tenho nada! Além de desaforos, e o que vem logo depois deles, é claro... – e aperta a moeda na mão de novo.
- Por menos que seja, não interessa, eu fico parado e espero – um garoto e um estranho – lá na frente, ele abre um sorrisinho cínico, corre pra longe da vista.
No meio da noite, no meio de gente grande, em meio ao trailer, em meio a outros moleques satisfeitos e lambuzados, no meio de mesas de pessoas de respeito – respeito – mas veja lá sabe o que é isso? Isso, é só parte da lei natural das coisas, só se dá o que se tem, só se tem o que se ganha, só se ganha o que se merece, e se o assunto é respeito, entre outras coisas, bem você sabe né? Num sabe?
Faz uns trocados pedindo, depois de muita falação injuriosa, junta o suficiente pra tomar um refrigerante, come um sanduíche, anda num brinquedo no parque, fuma um cigarro – vive todo o luxo dessa vida.
E muito melhor que todo mundo, passeia sob os olhares hostis da gente: já sabemos onde ele vai chegar, ah! Sabemos sim! Antes dele mesmo saber!
Seu destino está selado.
Ser bandido se for forte.
Um marginal se for mediano,
ser um ébrio se for fraco.
Ou morrer cedo.
Então num só coro, todos começam a odiar o futuro, olhando nos olhos de uma criança que já não tem mais nada haver com sóis e nuvens numa folha de papel oficio, com lápis hidrocor, ou, com roubar frutas na vizinhança, e depois esquece-las!
Nesse contexto, colocar as coisas dessa forma fica até ridículo, você não acha?
As vezes,  provocado no instinto mais humano, de tão humano chega a ser meio divino, me pergunto – principalmente agora estando em plena semana santa – será  que Jesus menino, que nasceu e cresceu pobre, que brincou e sorriu, dividiu de nossa natureza, teve um corpo e suas necessidades, dividiu conosco tudo! – exceto, é claro, nossos pecados – não podia ele cessar essa injustiça?!
 Levantar-se como guardador do rebanho, olhar para ali, oh! Ali, oh!
 Limpar a terra dos dedos do garoto, lavar-lhe os pés e os olhos, deixar que se lambuzasse até que matasse a vontade, como fazem as outras crianças!
Afastar-lhe das injurias, fazer com que esqueça do jeito adulto de ver as coisas!
Nada de escrever certo em linhas tortas, simplesmente, descesse da dor da cruz, e combatesse o pecado aqui na terra, com os olhos de uma criança! Que acredita que tudo é possível.
Na perfeita fantasia do mundo, do jeito mais bonito, divertido e justo.
Esquecesse que é juiz de juízos complexos, e agisse como um herói compassivo, calasse o mal-feitor com suas palavras de ordem, jogando-o num profundo silencio, e a escuridão que ele espalhava, se dissipasse completamente. Daí, a criança que ainda mora dentro daquele garoto, pudesse ir, como que, para dentro de um sonho:

Com algo de brisa,
daquelas que traz um cheiro leve de chuva
 – de repente – Ele abra os olhos e possa ver uma maravilha de montanhas,
Sol e nuvens, e queira desenhar numa folha de oficio ali em cima de uma mesa a se alcançar com o braço,
 e não se lembre mais das injurias, ódio, e de tudo que, talvez, ele nem merecesse ter conhecido.
Pra finalizar, me leva nesse sonho também menino Jesus, nesse apelo de justiça, que possa ser eu também uma criança, para corrermos nós três, em grandes campos a brincar – claro que não poderia esquecer meu egoísmo tão próprio e tão natural do pensamento humano – nessas palavras que são,
A minha oração de hoje.