sexta-feira, 17 de junho de 2011

Minha crônica

Minha crônica


Vou usar a frase de T. S. Eliot para epigrafar esse texto — “libertação: esta é a utilidade da memória, recuperar o que foi perdido, na tentativa de anular o tempo”, anular a rotina.
É engraçado que quando me pego falando, ou melhor, escrevendo sobre o que é rotineiro, o ir e vir da universidade, uma conversa de bebedouro, tudo ganha um tom peculiar de drama e – ora! – O que é mais divertido nessa vida que um drama, uma novela, um moído?!  





Na crônica está a dimensão do enraizado, do prosaico, do cotidiano... ao mesmo tempo que tem abertura à poesia, ao desejo, a falta de limites.

Um tanto de Fernando Sabino, Rubem Braga, Bráulio Tavares, Paulo Mendes Campos, o mais singelo apelo literário, ou como quis Cláudio Willer, “o mais literário dos modos jornalísticos, ou o mais jornalístico dos gêneros literários”, uma opção bem pretensiosa, uma brincadeira, um instante de liberdade.

Quando criança eu costumava demorar a dormir, daí eu me deitava e minha mãe, sentada na antiga cama de madeira, contava uma dezena de histórias, sempre as mesmas, com alguma lição no final. Uma delas, a minha preferida, falava de um monge que descia um monte muito alto, onde ele vivia pra meditar – ao passar na vila, em frente a casa de um criador de galinhas ele encontra uma...
Antes de contar a história toda, vou falar da fabulosa origem dela, de onde minha mãe a ouviu, foi o seguinte:
- Um professor e político ganês, chamado James Aggrey, durante uma assembléia onde se discutia a independência de Gana frente ao Império Britânico, resolveu contar uma história, ou melhor, uma parábola, com o objetivo de conquistar a parte dos ganeses que, seduzidos pela retórica inglesa, não aceitavam a independência, acreditando que iriam de industrializar o país com os fartos recursos da metrópole.
O político era tido como sábio, e um grande palestrante, ao subir levando algumas folhas de papel à tribuna, começou...

No pé de uma alta montanha existia uma vila de gente muito simples.
Um criador de galinhas, um belo dia, encontrou um filhote de águia caído ao pé do monte. Cheio de compaixão ele acolhe a ave e a leva consigo, alimenta e coloca-a junto com as galinhas.


Daí o tempo passa e a águia cresce. Ganha asas com uma envergadura de mais de três metros! O que a tornava infinitamente diferente das galinhas. Já seu comportamento era idêntico ao delas, ciscava o chão, catava insetos, comia milho, ocupava lugar no poleiro, essas coisas, havia apreendido tudo.

Um monge ermitão que descia do monte, ao passar pela casa do dono do galinheiro, ao se deparau com cena – a ave mais temida dos céus, assustou-se com a sua aproximação, e correu em frenesi junto com o restante das galinhas! – Resolve então interpelar o dono da casa:
– como fora uma águia acabar ali? – O criador de galinhas conta-lhe a peripécia.

O monge pede pra levá-la e tentar fazê-la voar, afinal ela é uma águia! Mas o homem, incrédulo, disse que isso não era mais possível – não depois de ser criada como galinha – o monge insiste e acaba convencendo o homem e levando-a.

Sobe num ponto alto do monte e a lança no ar, ela bate as asas, desajeitada, e volta pra o chão, o monge vai pra mais alto e repete o feito, e de novo, sempre de mais alto...
Assim foi todo o dia.
E outro, e mais outro...
O criador das galinhas sempre ao ver o monge voltar, sujo e exausto, sorria, e pensava: - como ele gosta de perder tempo!
O fato era que, a águia parecia ter virado mesmo uma galinha.


Estafado, já no ponto mais alto do monte, com sua túnica suja de barro vermelho, o corpo pesado de carregar a ave imponente monte acima, o monge senta-se numa pedra, durante o por do sol, de céu limpo, abaixa a cabeça, era o ultimo dos seus incontáveis dias de esforço...
A águia tímida e imóvel ainda repousava em seu braço.
De repente, o monge sente um arrepio subir pela espinha, a águia lhe aperta com força, ergue a cabeça – austera – permanece por alguns instantes olhando fixamente em direção do vermelho do Sol, o Sol fica refletido nos seus olhos, abre então as asas de três metros de envergadura!
O monge, então, põe-se de pé. Estende o braço a ave dá um forte grito e alça voou. Bate as asas e faz o monge se encolher, se mantém no ar e coordena os primeiros movimentos, dá ainda uma ultima olhada para traz, e num impulso majestoso ela vai em direção ao Sol.
Plana suave. Depois se perde no brilho incandescente do fim da tarde.

Essa história devia me fazer dormir, mas, na verdade, me agitava ao ponto de precisar de mais umas outras tantas, até me acalmar.
Vim descobrir sua origem muito tempo depois, quando encontrei na estante um livro do filósofo Leonardo Boff, A Águia e a Galinha, onde ele conta a história do parlamentar africano.


- As vezes podem nos impelir a sermos menor do que de fato somos, a viver de grãos que nos jogam para ciscar – disse o ganes Aggrey – mas na verdade podemos alçar majestoso vôo! É só procurarmos o por do Sol e olharmos fixamente pra ele, encontrando inspiração para sermos como uma águia!
Assim foi o final do discurso, depois disso, a Gana era uma nação independente, cumpriu com o sentido de sua história...

Encontrar sentidos nas histórias, assim essa que minha mãe contou, e nas estórias também, mesmo sem contar com  o elemento do extraordinário, isso move minha crônica, a memória exercendo sua função, acompanhada de uma inevitável revisão das razões, dos porquês, dos pra quês, que o próprio ato de lembrar impele...
                    Meus amigos, uma mesa de bar – o simples, usual, saudosista – escrevendo eu me sinto livre, me sinto muito melhor.

domingo, 12 de junho de 2011

Despedida de Nadjanara

Despedida de Nadjanara



No coração de quem, de perto ou de longe, viu o majestoso exemplo de Nadjanara Linhares Casimiro, repousa um incomodo silêncio. Esta data marca a despedida de um ícone, e o nascimento do precedente de um mundo de oportunidades parecidas.





             O grande afã de luta hoje descansa, pelos corredores, salas e rampas vagueia o vazio que inevitavelmente o mundo experimenta quando se despede de um ícone. Longe de ser vazio de morte, não! Pois que vida existirá sempre nesse novo mundo que se adaptou, curvou-se em respeito à bravura da guerreira que desafiou pré-conceitos, pré-juízos, pré-disposições, novo mundo que hoje, pré-maturamente, acena pesaroso para o fechar da sua majestosa trajetória, que não marca morte, mas nascimento de um magnífico exemplo.


Incômodo silêncio a despedida impele.
Íntimos, próximos, conviventes, ou mero espectadores, vestiram-se na aura de admiração, e às vezes até de espanto, ante a pessoa que discreta e singelamente encarou um mundo estranho a sua presença, estruturou-o, escancarou as portas fechadas, sua passagem é precedente para as centenas de outras que virão, que a terão como um grande “Muito obrigado!”.


Nadjanara, brava guerreira és tu filha da luz.